Olhar Social: Projeto Catadoras de Luxo realiza leilão de fotografias
Bruno Brito*
Tendo a luta por maior dignidade como marca, o trabalho desenvolvido pelas catadoras de resíduos ainda é pouco reconhecido pela sociedade. E é pensando em mudar essa realidade, que o projeto Catadoras de Luxo: Heroínas (IN) visíveis, iniciado em 2019, conta a história de 11 catadoras soteropolitanas, que foram personagens de exposição fotográfica, cujas fotos estão sendo leiloadas em uma série de lives, em que o valor é revertido às catadoras, como forma de auxílio neste período de pandemia.
Promovido pela Paz, Educação Ambiental e Consciência Ecológica (PEACE), organização sem fins lucrativos que realiza ações socioambientais e educacionais, a intenção da série de lives é leiloar 22 telas que fizeram parte da exposição, sendo que restam 14 telas para serem vendidas. A próxima delas está programada para o dia 25 de maio, tendo como convidado o vereador e ex-secretário de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência de Salvador, André Fraga, que já contribuiu com o projeto, adquirindo duas fotos.
De acordo com Laíze Lantyer, idealizadora do projeto e umas das fundadoras da PEACE, a ideia do projeto surgiu durante sua pesquisa de mestrado em Políticas Sociais e Cidadania. Segundo ela, as personagens foram classificadas em três grupos principais: catadoras em situação de rua, catadoras de rua e catadoras cooperadas.
“Eu estava estudando a temática durante o mestrado, e optei por uma linha que ninguém estudava. As catadoras vão sendo excluídas da sociedade, por diversas ações, e pensei sobre o que poderia ser feito, para elevar a autoestima dessas pessoas e trazer maior visibilidade para elas. Então, surgiu o documentário e a exposição fotográfica, que conseguimos rodar em shoppings, museus, universidades e na rua, fazendo com que as pessoas pudessem conhecer mais sobre a categoria”, contou.
Conforme explicou Laíze, cada catadora teve duas fotos selecionadas para o leilão, sendo uma em preto e branco, das catadoras trabalhando, e outra colorida, em um local de Salvador escolhido por elas. No entanto, para adquirir as telas, é necessário entrar em contato pelo Instagram @peaceambiental, e manifestar o interesse, para adquirir as fotos. O lance inicial para as telas é de R$ 500.
“As pessoas precisam entender que são partícipes da condição de vulnerabilidade que as catadoras se encontram. O estado de invisibilidade e negligência com essa categoria profissional é fruto do nosso estágio de analfabetismo ambiental por não enxergarmos nos resíduos o seu valor econômico. Essas fotografias são um retrato da sociedade brasileira e a memória de mulheres, mães, filhas e netas de muitas Catadoras de Sonhos”, ressaltou.
Com as lives, que são quinzenais e podem ser acompanhadas no Instagram da PEACE, as obras são leiloadas, com participação de personalidades ligadas ao projeto e ao universo das cidades sustentáveis. A primeira live ocorreu no dia 11 de maio.
Parcerias
De acordo com Laíze, para que o projeto pudesse acontecer, houve a participação de parceiros importantes no processo, a exemplo do Ministério Público da Bahia, Defensoria Pública da Bahia, que intermediou os contatos com as catadoras, de diversos voluntários, e do salão de beleza Nova Imagem, em que foram realizadas as maquiagens das catadoras para as fotos, momento que foi de muita emoção, porque algumas nunca haviam entrado em um salão na vida.
Dessa forma, foi possível realizar a exposição fotográfica, o documentário e dar início aos leilões. Além disso, existe a expectativa de, até o final do ano, acontecer o lançamento de um livro, com fotografias inéditas das catadoras. “Nossa intenção é fazer bilíngue, e já está quase pronto. O que haverá de novo é o relato dos doadores, seja empresa ou pessoa física, relatando sua experiência como doadora e dizendo qual a importância da ação”, disse Laíze.
O projeto também contou com apoio da Ordem dos Advogados do Brasil – Bahia (OAB-BA), através da comissão de Defesa do Meio Ambiente. Para Maurício Campos, vice-presidente da comissão, que também já adquiriu uma foto do projeto, o braço da OAB está sendo levantado pelo projeto, através da preservação do meio ambiente.
“A partir do momento em que essas mulheres promovem esse trabalho de reciclagem, elas estão prestando um serviço efetivo e grande para o meio ambiente. Então, a OAB está inserida por ser uma voz da sociedade civil, e pelo serviço prestado ao meio ambiente. Essas pessoas prestam um serviço grandioso à sociedade, além de darem uma lição de vida a todos”, afirmou.
Personagens
Para quem foi personagem do projeto, e viu suas fotos serem compradas, como é o caso de Annemone Santos, catadora de material reciclável, está inserida nesta iniciativa possibilitou a visibilidade e o protagonismo, que a classe nunca havia tido.
“A sociedade nos chama de catadora de lixo, mas somos catadoras de material reciclável e agentes ambientais, conseguimos ver que somos importantes na preservação do meio ambiente. Então, participar desse projeto foi muito importante, ter a oportunidade de entrar em salões, de ser reconhecida como mulher catadora, sem receber nenhum tipo de preconceito. Foi uma grande vitória, sou catadora e via que era invisível, sendo reconhecida de maneira pejorativa pela sociedade, de modo geral”, afirmou.
Ela ressaltou ainda que, o projeto nasceu em um momento em que ninguém olhava para as catadoras, e que mais do que adquirir fotos, se compra uma história. Segundo Annemone, o principal benefício do projeto é mudar a percepção sobre o trabalho desenvolvido pelas catadoras, e que o leilão foi uma forma encontrada para ajudar neste momento difícil.
“Quem compra a fotografia, não compra a imagem, mas a história da catadora, de uma mãe. É muita emoção, saber que as pessoas estão olhando pra gente, como pessoa digna. Geralmente se tem fotos de artistas, cantores, então ver nossa foto, com pessoas tendo acesso, é muita emoção”, descreveu.
Também beneficiada com a venda das fotos, Sônia dos Santos, catadora da Cooperativa de Catadores Agentes Ecológicos de Canabrava (CAEC), acredita que a participação no projeto, tem propiciado uma mudança de olhar para a classe.
“Ao ver as pessoas se interessarem, reconhecerem que nosso trabalho é importante, é especial. Mais ainda, saber que uma pessoa se dedicou a ter uma foto de uma catadora em sua casa. Quando recebi a mensagem, que alguém havia adquirido, faltou chão, não imaginava que alguém iria querer, visto que as pessoas se interessam por obras de arte, e escolheram minha foto. Tremi, veio lágrimas nos olhos”, lembrou.
Para Sônia, o valor recebido pela venda das fotos, chegou em um momento importante, por conta do cenário de pandemia, em que não tem sido possível desenvolver o trabalho de catadora. Além disso, ela reforçou a importância do trabalho que é desenvolvido pela classe, e pediu que haja reconhecimento aos catadores.
“Tiramos toneladas e toneladas de materiais recicláveis, que já evitam aqueles materiais de serem levados ao aterro sanitário. Se muitas pessoas entendessem o trabalho feito, não nos humilhavam e nem teriam nojo dos catadores, porque além de gerar renda para nós, estamos contribuindo com o meio ambiente”, observou.
Por outro lado, quem tem adquirido as fotos, também tem trazido visibilidade à classe, a exemplo de Andrea Marques, compradora de duas fotos de Sônia Santos. Para ela, o projeto é uma oportunidade de conscientizar sobre a irresponsabilidade que é cometida, com o desperdício do consumo desenfreado.
“Essas mulheres representam o maior percentual dos catadores no Brasil, e a vontade de valorizar esse trabalho diante da sociedade, é prioridade para essas mulheres. Eu fiquei apaixonada e resolvi ajudar com a doação, havia entrado no site e consultado as fotos, e realmente me toquei com uma foto, em que ela está fazendo um gesto de amor”, contou.
Para Sônia, adquirir as fotos foi muito importante, sobretudo, pela possibilidade de estar auxiliando a catadora no momento de pandemia. “Com o advento da pandemia, e as festas populares suspensas, a situação financeira dessas mulheres se agravou ainda mais, e estão em uma situação de invisibilidade ainda maior”, observou.
*A Tarde